terça-feira, 27 de dezembro de 2011

FIM DE TEMPORADA

Foto: Roberta Dittz
Sinal dos tempos. Se antes sua vida dava um livro, depois um filme e por fim uma novela, parece que agora nossa vida daria mesmo uma boa série com muitas temporadas.

Quem nunca se comparou a um personagem de Friends e nomeou também os amigos? Quem não chorou com Dawson´s Creek ou Glee? Ah! Você nunca? Então esse post não é para você. Feche o blog, abra um livro, volte para os seus DVD´s de filmes cults. Estamos aqui pra falar de drama diário, de lágrimas por amores terminados, mal começados ou platônicos ou todos eles ao mesmo tempo, talvez por amizades desfaceladas ou decepções irremediáveis. A morte de alguém, quem sabe?

E não seria o fim de um ano uma espécie de final de temporada da série de nossa vida? Quando nos despedimos secretamente daquela paixão que tentamos por meses e que não deu certo, quando decidimos abandonar aquele trabalho que já não te preenche, quando decidimos transformar nossas vidas em algo que valha a pena?

Você pode me dizer que não é necessário esperar o dia 31 de dezembro, mas, e se calhar com a data? E se o Reveillon não for, na verdade, a celebração de todos esses términos, encerramentos e um modo de olhar pra frente como quem diz: agora vai?

Personagens da última temporada se despedem e saem de cena, cenários são desfeitos, cenas inteiras ficam apenas localizadas no flash back e então eis a mágica: novos amores, novos amigos, novas possibilidades, novos cenários, novos dramas e conflitos, novas lágrimas (porque elas dão o tom de uma temporada de sucesso).

Aqui, desse lado de cá da tela, digo que foi um ano bom. Fiz novos amigos, vivi situações incríveis, desfiz romances, desisti de amores, tomei coragem para abandonar o que não me acrescentava. E cá estou de braços e peito abertos para receber tudo novo (de novo) e fortaleço braços, pernas, cabeça e coração para enfrentar um novo ano com disposição para viver. E não é disso que estamos falando? De vida?

Quanto a vocês, obrigado pela audiência nesta temporada 2011. E façam de sua própria série, uma história de sucesso.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

DANCING WITH MYSELF

Foto: Fernanda Prestes

Joana despertou com um nó no peito e não compreendeu de fato o que se dava. Sua vida tão bem organizada e compartimentada não lhe dava espaço para tais sensações. Levantou-se, arrumou sua cama e enquanto preparava o café foi varrendo a poeirinha acumulada do dia seguinte no chão da casa. Nem mesmo o rádio tocando suas músicas favoritas conseguiu desatar aquele bololô no centro do corpo.

Foi se olhar no espelho, checar se não estaria pálida ou doente ou morta. Não estava pálida e fisicamente sentia-se muito bem. Era a alma que lhe reclamava atenção. Resolveu sair por uns instantes para ver se o tempo estava diferente, mas o sol permanecia gentil como em todas as manhãs de outono. 

Joana se sentiu daquela maneira por um motivo inexplicavelmente trivial. Acordara daquele jeito e não havia nada que desabonasse seu dia anterior. Absolutamente nenhum incidente, nenhum desafeto - ela que nem afetos tinha - nada! Permaneceu assim, parada, olhando as árvores da rua entrecortadas pela luz do sol e as sombras das folhas que ventavam sobre os carros estacionados ali. 

Subiu novamente. Voltou ao seu cubículo e se deu o ocorrido. A água que ficara fervendo para seu café secou na chaleira e esta, por sua vez, foi sendo tomada de calor até queimar-se e encher o pequeno cômodo onde Joana vivia de fumaça. 

Joana apenas fechou o gás e sem reação além dessa ficou observando a fumaça se esvaindo da chaleira agonizante. O rádio soltou uma velha música dos anos 80: When there's no-one else in sight In the crowded lonely night. Fechou os olhos e, sem saber exatamente como, começou a dançar. Dancing with myself... Não conseguia parar. Dançava como se o chão a conduzisse e nada houvesse ao redor.

A porta do apartamento aberta, a música cada vez mais alta e Joana a dançar, a cantar e os vizinhos abrindo suas portas para assistir àquele espetáculo bizarro. A mulher que não sorri dançava feito criança. Sua respiração ofegante, seu suor pingando, a fumaça no apartamento, a música, o sorriso, os pés que se balançavam involutários. 

Eu estou viva! Eu estou viva!

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

DOIS PRA CADA LADO


Eram 4 da manhã. O quarto claro pelas luzes da cidade e a cortina balançando preguiçosamente sobre meus cabelos. Acordei assim, no meio da madrugada. Meus olhos abriram vidrados naquela dança que acontecia independente de todo o mundo.

Com os dedos tentei seguir o ritmo daquela dança e eu que não sou bom nessa coisa de ritmo fiquei fora de compasso. Dois pra lá, dois pra cá, rápido demais, lento demais. Sorri. - Daria pra você me conduzir? Tô meio perdido nessa dança. 

E ela riu. Disse que eu, às vezes, pareço criança. E se mesmo assim, criança, vou me tornando adulto teimoso? Desses que acreditam no amor e nas conversas matinais de domingo. Ela me pegou pela mão e disse que dançaria aquela noite comigo, mas que é preciso ser mais forte porque a vida nos tira pra dançar sem cuidado. 

Confesso que gostei daquela música. Era algo que falava sobre uma busca, sobre beleza e imperfeição, sobre insanidade e quando acabou, agradeci. Voltei a dormir. O dia começou novamente e eu ainda com a sensação de ter dançado a noite inteira.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

FALANDO SÉRIO

Foto: DDiArte

Eu deveria. E desse modo vou me acostumando às coisas que não têm sentido. Eu deveria. Desta maneira vou me atrelando a uma realidade que não quero porque simplesmente passo a dar importância a quem ou a algo que absolutamente não tem relevância. 

E não fazemos isso todos os dias? Quando opto por isso ou aquilo, sem me lembrar que Cecília já havia me dito que é perigoso esse negócio de escolher, pois, por mais que eu queira, não é possível ir aos ares e ficar no chão ao mesmo tempo?

E cada vez que minhas mãos querem experimentar o toque e eu por receio a recolho? Intuição ou medo? Em que momento aprendi a ter cuidado com a vida? E em que momento deixei de entender que os cuidados servem para um único propósito: me afastar da própria como quem foge de um cão bravo ou de um amor inexplicável? Explicar o quê, se a explicação tira a beleza das coisas?

Quando penso no que é pra ser experimentado, perco quase toda a possibilidade de ser transformado. E quero ser renovado diariamente e me permitir dizer o que sinto sem medo de mudar tudo ao meu redor. Não quero passar minha juventude com medo de sentir se é tudo o que me resta ao fim.


E se é assim tão inexorável esse tal fim, qual o sentido de não me permitir errar e escolher outros caminhos? Não sei, só sei que foi assim.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

UM BEIJO


Você pode se desesperar, pode sorrir, chorar, se amaldiçoar, mas não há nada que desperte todas as sensações de uma só vez, em único segundo, numa explosão total de incompreensão, medo e exaltação do que um beijo de amor.

Não há regra de como será: longo, intenso, leve, molhado, seco... Beijar quem se ama é feito aquele pedaço de bolo confeitado da avó que ficamos esperando saborear, rodeando pela mesa a tarde inteira. Um beijo de amor esconde em si todos os sentimentos do mundo e esperá-lo pode ser ao mesmo tempo uma tortura infinita e uma ansiosa espera. 

Um beijo de amor tem a capacidade de nos transportar do ínfimo do inferno para as mais belas e frondosas nuvens brancas num céu azul. Nos dá a possibilidade de voar tão alto como poucas vezes experimentamos. Não falo do beijo de alguém que conhecemos logo ali ou daqueles beijos que servem apenas pra cobrir uma carência, uma falta, uma solidão. Falo do beijo de amor. Aquele que esperamos à espreita, observando e desejando, aquele que faz de mim e de você um ser humano livre e forte.

Beijo de amor é o freio no precipício, é a bomba que acaba a guerra, é a flor que apazigua a mágoa. Beijar a quem se ama, desses amores de verdade, e quiçá únicos, é a melhor experiência a que alguém pode se submeter. 

Então, está esperando o quê? Permita-se a um beijo de amor.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

INVERNO


E voltamos ao ponto inicial onde velhos sentimentos que ficaram escondidos ou cansados de esperar retornam à tona. Ele era apenas um garoto que se levantava pela manhã com os olhos vidrados no céu que atravessa sua janela sobre a cama. Era aquele garoto que se perdia em pensamentos antes de se levantar.

O cachorro lhe lambia os pés pedindo pra bricar e seu sorriso se abria pela primeira vez para fazer carinho no animal que agradecia com as patas em seus joelhos. Olhando-se no espelho, acreditava que aquele dia poderia ser diferente e que à noite teria o amor em seus braços. A noite chegava, a madrugada alcançava suas pernas e adormecia pensando e sentindo.

Até que dia a dia a ponta de esperança e expectativa se dissiparam e novos interesses perpendiculavam seus caminhos. Alguns mais que outros, mas aquele velho sentimento ali, escondido, à espera.

E uma vez a cada tempo se apaixonava novamente e se perdia e se ostentava. Mas as paixões são permanentes passageiros que se despedem. E o vazio volta a se instalar feito hóspede teimoso que se acomoda no sofá da sala. 

Era Maio, Setembro ou Janeiro. Era Outono, Primavera e Verão. E era inverno. E era frio. 

domingo, 23 de outubro de 2011

AS NOZES E O AMOR

Para ler ouvindo A Montanha e A Chuva 
no podcast ao lado.


Quando eu tinha 03 anos, minha bisavó faleceu na noite chuvosa em que eu e minha mãe chegamos à cidade onde ela morava. Chovia muito, eu bem me lembro. E lembro-me também de minha bisa, a quem eu nunca havia visto. Lembro-me de um caixão na sala, pela manhã e que eu chorei. Obviamente eu não entendia o que estava acontecendo, talvez eu tenha apenas sentido o que acontecia ali, ou simplesmente porque eu já devia ser o tipo que chora por qualquer coisa.

A primeira morte que me marcou de verdade foi da minha cachorrinha Lassie. Era uma vira lata de cor bege clara. Fora atropelada enquanto eu estava na escola e sequer a enterraram. Não sei se senti mais raiva do motorista que a atropelou ou de quem jogou a defunta num terreno baldio qualquer.

Anos depois, quando morávamos no Rio Grande do Sul, eu brincava com nossa cachorrinha (outra) e comia nozes pecãs que catava no quintal da vizinha. Enquanto eu estava absorto nas nozes, ouvi quando minha mãe chorou na cozinha. Corri para a porta e dali eu vi meu pai coçando a cabeça, gesto que faz sempre quando não sabe exatamente como agir (acho que peguei isso dele) e minha mãe chorando. Meu avô havia morrido. Era Junho. Mas não lembro bem o dia, apenas sei que não daria tempo de ir ao enterro. 

Não gostava mais deste avô do que do outro, ainda vivo, mas esse tinha um sabor especial. Vivia no alto de uma colina cuidando da torre de transmissão da rádio local. Eu achava tudo muito incrível. Ele costumava brincar de coçar a barba no meu pescoço para me fazer cócegas, tinha muitos discos e tinha aquela sala enorme com instrumentos que mais lembravam um filme de ficção científica. Eram os aparelhos que mantinham a rádio no ar. Aquele barulho e aquele vento frio fazem parte da minha infância. 

Cerca de um mês depois, durante as férias, viajamos para Minas e fui até a casa do meu avô com minhas primas. Ele morreu dormindo. Deitou-se após o almoço, como de costume, encolheu-se, dormiu, não acordou. 

Quando entrei na casa, hesitei um pouco, mas fui até o quarto, olhei a cama e pensei: "Ele esteve aqui". E acho que pela primeira vez chorei a morte de alguém sabendo os motivos de estar chorando. Corri pra fora de casa e fui até a beira do caminho de onde se via lá embaixo toda a cidade e em especial o enorme cemitério municipal. "Ele está ali agora".

Sempre que me lembro dessa passagem, me ponho a pensar na brevidade da vida. E sempre pauto minhas escolhas por essa máxima. Minha vida é muito curta para que eu a perca por pena (ou por delicadeza, já diria alguém). Então prefiro arriscar. Sempre. Se amo, digo que amo, se não funciona, digo que não funciona, se quero mudar, mudo, troco a direção. Eu tento até o limite, pago pra ver. Me perco, me machuco, mas ao final resta aquela sensação incrível de: tentei. 

Todos nós vivemos descascando pequenas nozes pecãs. Para quem já o fez, sabe que é preciso muito cuidado para não quebrá-las, mas quando as nozes saem da casca e podemos saboreá-las, ali está um pedaço da vida sendo sentida pela saliva.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

E SE (WHAT IF)


Este final de semana me enchi de pipoca, Coca Cola e filmes românticos. Na verdade, foram dois. Um é o excelente Shrek Para Sempre, último da série e Cartas para Julieta, filme que há muito tempo eu queria ver. Ambos falam do tão ansiado felizes para sempre das histórias românticas.

E me peguei a pensar sobre isto. Como não consigo apenas me divertir, fico nessa de pensar, o que de cara já é uma grande bobagem. Cada dia mais eu percebo que felicidade e ignorância caminham lado a lado. Desculpem a divagação, me perco nas ideias.

Uma vez li num livro (e olha que nem sou o Cláudio Heinrich) que se um relacionamento durar apenas uma semana e isso lhe servir para crescer, se aperfeiçoar, terá sido o tempo necessário. Mas os nossos avós não se tornaram uma espécie de "felizes para sempre"? Pode ser que sim, mas e se... Me peguei a pensar no "E se..." de Cartas para Julieta. What if... E se o coração te indicar outros caminhos, que caminho você vai seguir?

Não foi a Clarice que escreveu "um belo dia a gente morre" para dar sua contribuição ao "e se..." e hoje quando abro meu twitter, vejo a seguinte frase postada por uma amiga: "Lembrar que vc vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que vc tem algo a perder." E se...

Somos todos os dias conduzidos a centenas desses "e se", deixando muitas vezes de ouvir nosso coração, de atentar ao fato de que felicidade não depende só de um e que, portanto, somos também responsáveis pela felicidade de outras pessoas sim. E infelicidade nunca é bom para ninguém, mesmo que aparentemente seja para dar a outros aquilo que nunca poderemos dar. 

Amar é dar a outro aquilo que não se tem. E se não temos, então tudo fica mais simples, não é mesmo? 

sexta-feira, 20 de maio de 2011

E NO TEMPO DA MÚSICA UM BREVE POEMA PIEGAS

foto: Tito Barbosa

E bem no tempo da música, aquela que nem é tão grande, aquela de quatro minutos e pouco, vem toda uma vida, todo o impulso de um coração no trampolim numa piscina de águas pouco transparentes.

Eu sei que é fundo e não sei ao certo escolher se pulo e mergulho até o chão ou permaneço na superfície. A superfície queima, mas eu a conheço. Eu a identifico. Posso sentir seu perfume e sua respiração. Falo de superfície mesmo?

Falo dessa música de pouco mais de quatro minutos e meio que faz meu peito se apertar como se fosse a própria mão de alguém que se afasta e te toca o rosto em despedida. É o olhar que permanece. É o olhar. O olhar se faz presente quando se pensa em... Amo? 

Nesse ímpeto de sentir e como velhos conhecidos workaholics da emoção, ainda é dia e sem sol o tempo nubla visões distorcidas de um beijo. Não permaneço, não preciso permanecer, há medo há tempos. E penso em um poema que diz

Toda praça se diz sozinha
até que alguém a encontre
e a madrugada sente seu vento
como um frio nunca antes visto
até que alguém se aqueça

Nunca disse o quanto me perdi
e nem como fiz para me salvar
eu poderia explicar que foi amor
mas não, não foi o amor

Eu poderia dizer eu te amo
que meu coração cuspiria suas flores
e se esvaziaria de cores
sem rimas, sem brilho, sem olhos

Mas de fato eu amo
E amo esses dias pequenos
Esses cafés que nunca chegam
E esse frio que não se aquieta

Então posso simplesmente correr
para longe de seus olhos
para longe de qualquer ponto cardeal
Eu poderia dizer qualquer coisa
que nada seria simples.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

SOBRE TEMPESTADES E PALAVRAS


Lembro-me que quando era pequeno e fazia catequese, me preparando para a Primeira Comunhão, assisti a palestra de um padre. Morava em Santa Maria, uma bela cidade do Rio Grande do Sul. O Pe. Osvaldo, um velhinho meio Padre Garotão, contou a seguinte parábola: Uma moça foi se confessar com o padre e afirmou que, por inveja, espalhou a falsa notícia de que uma outra moça havia perdido a virgindade com um namorado. Aquilo era um escândalo naquele lugar. Depois de se confessar, a moça perguntou qual era sua penitência. O padre, então, disse que ela precisava encontrar um travesseiro de penas de ganso e trazer até ele. 

Mesmo achando tudo aquilo muito estranho, a moça o fez. No dia seguinte, lá estava ela, confiante de que seria absolvida de seus pecados. O padre a conduziu até a torre da Igreja e ordenou a ela que abrisse o travesseiro e deixasse que as penas voassem. Ela o fez. Depois de todas as penas terem se desprendido e voarem sobre a cidade, o padre ordenou que ela saísse e recolhesse todas as penas de volta. A moça revoltada disse: "Mas padre! Isso é impossível!". E o padre muito tranquilamente respondeu: "Assim como é impossível você recolher todas essas penas, é também impossível que você consiga trazer de volta a honra dessa moça".

Sempre me lembro dessa história quando penso em falar mal de alguém, fazer fofoca mesmo. Somos todos humanos, afinal. Mas nos últimos dias tenho pensado nessa parábola por outro sentido. Aquela máxima de que levamos cem anos para construir um edifício e podemos destruí-lo em menos de dez segundos faz muito sentido. Às vezes, temos amigos, somos queridos, admirados, mas como diria Tim Maia, "os fãs de hoje são os linxadores de amanhã". 

Qualquer deslize pode manchar uma reputação que tenhamos suado para alcançar e a vida nos cobra isso de uma maneira pouco cordial. Às vezes, o máximo que nos acontece é perder os amigos, os fãs, mas pode ser pior. Podemos ser julgados, condenados, penalizados pelos erros cometidos num momento de mera distração. Ninguém está livre porque ninguém é santo. Ninguém. Somos todos passíveis de cometer erros e podemos ser os próximos. 

E o perdão? Onde fica nisso tudo? Concordo que o perdão é necessário, é imprescindível. Justamente por nossa condição humana de errar. Mas como disseram por aí, o perdão não exclui a responsabilização. Gosto de pensar, entretanto, com todos esses caminhos estranhos a que somos conduzidos na vida na famosa frase do Guevara: Hay que endurecer, pero sin perder la ternura. 

terça-feira, 22 de março de 2011

AMANHÃ?

Foto: Miguel Queirós Pinto

Quando dá vontade de dizer a quem você ama é necessário correr, atravessar os montes e driblar medos. É urgente! Não se pode esperar, não se pode pensar, é necessário dizer. Temos corrido por tantos motivos e gastado nosso tempo com insuficiências que não podemos, não temos o direito de deixar que o amor que trazemos dentro do peito se transforme em vento e em palavras não ditas. Melhor dizer. Melhor pecar. Melhor chorar por amor do que pela falta dele. 

E quando preenchemos nossos dias com qualquer coisa que não amamos. Abandonemos! Nada vale mais do que ser feliz, tostão algum paga nossa infelicidade. Se você sabe o que ama, se sabe quem ama, então vá! Porque mesmo que receba um não, saberá ao menos que tentou, que foi em busca daquilo que sonhava. 

É urgente que usemos nossa vida para encontrar a felicidade. É preciso ver o mundo que se descortina ao nosso redor e redescobrir uma forma, uma maneira de vê-lo. Somos soldados numa guerra fria diária e nosso inimigo é  esse sistema que dita nossa vida pela comparação. Não me compare a outros, não se compare a ninguém. Dance! Sorria! Ame! É urgente! Isso sim é urgente.

Porque amanhã... Bem, amanhã nem sabemos que existe.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

ANGÚSTIA

Foto de Hernani Faustino

Entrei no metrô com a discreta sensação de que deveria ter ficado em casa. Essa vontade que às vezes sentimos com uma intuição que nada mais é do que medo e falta de vontade de conviver, coexistir. Desci aquelas escadas com o ódio dos oprimidos, de quem não quer ou não consegue interagir e precisa, se sente obrigado para não ser esquecido, cumprir papel, não magoar.

O trem ainda demoraria a chegar e meu peito arfava como o peito de um cão cansado da corrida matinal com seu dono. Eu arfava como quem vai desmaiar ou dormir. Como quem está cansado de insistir. O tempo não passa, o telefone insiste e a fome não há. 

Penso num campo escuro com o céu estrelado e um silêncio que cala as vozes que trago no peito e na mente e me falam sem parar. Você vai? Vai mesmo? Não. Não vai. Vai. Vai. Não. Não quer. Não deveria. 

Chega o trem. 

Entro.

Mil pessoas. Centenas talvez. Uma língua diferente dentro do vagão. Estrangeiros. Estrangeiros aos montes e penso que aquela deve ser a sensação de quem chega a um pais estranho. Vozes infinitas de uma língua que não se conhece. Me sinto estrangeiro em casa. E me sinto sempre estrangeiro em casa. Estranho. Fora de lugar. Fora de onde deveria estar e onde deveria estar nunca soube. Nunca descobri.

Me vem no peito um nó. Choro. Discreto. Lágrimas vertem e me lembro de um choro convulsivo que tive algum tempo atrás. Tive medo de começar e não parar. Tive vontade de alguém que me perguntasse se estava passando mal. Eu diria "me tire daqui, me leve e me tire daqui." Para onde ir? Não saberia dizer.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

AQUELAS MÃES POSTIÇAS

Tenho uma família que não é perfeita, mas isso pouco importa. Nunca invejei a família de ninguém porque tenho um amor tão grande por aquela que me recebeu a ponto de nunca pensar em outra. Nunca mesmo. 

Mas a vida... A vida tem dessas coisas. Dia 2 de fevereiro. Dia de Yemanjá. Algumas pessoas dizem que trago a Rainha do Mar como uma das entidades que me regem. Verdade ou não, o fato é que o dia 2 de fevereiro tem um significado profundo na minha vida. Desses significados que deixam essa marca indelével.

Quando eu tinha uns 13 anos, morava numa cidade no estado de Goiás, estava numa fase típica de adolescente problemático e incapaz de lidar com a própria sexualidade. Uns se afogam em livros, outros nos games, alguns como eu vão para a Igreja. Eu vivia no meio de frades, em aulas de catequese, coroinhas e todos esses grupos que alguém já deve ter participado. 

Conheci numa dessas a Marlene. Marlene representava pra mim uma mistura de Rainha da Sucata com Viúva Porcina. Tinha uma vibração e uma alegria que contagiava, ao mesmo tempo uma franqueza que eu conheci em poucas pessoas e que me conquistaram de cara. Sempre preferi os francos aos educados. Tivemos uma relação de amizade tão forte que todos sentiam ciúmes. Marlene tinha naquela época 33 anos, eu 13. E fazia aniversário no dia 2 de fevereiro. Admirava sua garra, sua capacidade de vencer, de passar por cima dos problemas como quem enfrenta dragões. Marlene faleceu em 2006. Tinha um problema no coração e não resistiu a uma cirurgia. Logo ela que tinha um coração tão grande.

Anos se passaram. Quando soube da morte da madrinha Marlene já morava no Rio há três meses. Nos falamos pela última vez uns 3 anos antes. Percebi o quanto deixamos o tempo passar por nós sem nos abalar, sem perceber.

Neste mesmo ano, dois meses depois conheci D. Sônia, mãe de todos que a conheciam. Cozinheira de mão cheia lá do Mato Grosso do Sul. Essa também. Mulher forte, vibrante, com aquela mesma capacidade de te falar as maiores verdades e os mais impropérios na cara. Nos adotamos. E aqui no Rio, sozinho, longe da minha família, me tornei filho. Encontrei uma família que ninguém tinha. Enquanto meus pais estavam lá longe era com Sônia (ou Mammy) que eu encontrava alento e cuidado. Aos 26 anos jamais imaginei que seria tratado do mesmo jeito que minha mãe me tratava desde sempre. 

Sônia fazia aniversário em 3 de fevereiro, não era 2, mas era perto. Faleceu em 19 de novembro de 2008 após aproveitar muito a vida. Acho que poucas vezes chorei tanto como naquele dia.

E nessas horas eu penso como é bom ter minha mãe, meu pai. Como é bom não estar sozinho no mundo. E como o tempo passa rápido e insensível por nós. 

E se Yemanjá é mesmo minha mãe espiritual, deve haver algum sentido em ter colocado duas mulheres tão parecidas de dias tão próximos na minha vida. Obrigado.

Texto que escrevi após o sepultamento de Sônia aqui.

UMA TARDE NO CAFÉ


Chuva interminável e constante na cidade história fluminense. As opções para um jovem artista lationamericano sem muito dinheiro no banco poderiam ser muitas: olhar lojas de artesanato ou... olhar lojas de artesanato. Preferi fazer o que faria em qualquer tarde ociosa de qualquer lugar do mundo: entrar num café.

Não são poucas as experiências que se pode viver num café e me desculpem os boêmios de boteco, prefiro a boemia quente de um bom café e de conversas quase sussurradas como numa Igreja.


E num café pode-se discutir filosofia, arte, sexo, amor e se descobrir coisas obscuras e secretas. Pode-se ter acesso a certas intimidades que às vezes nem entre quatro paredes se pode ter.


Assim como bar, um café também atrai sua gama de loucos, mas são loucos quase mansos e que se enchem de conhaques ou vinhos.


A loucura em um café vem de forma lânguida e sensual. Num café dificilmente uma discussão terminará em socos, mas provavelmente com alguém indo embora fulo da vida.


Entre a clientela há os mal-humorados, os discretos, os cismados, os solitários e acabrunhados, os nerds e as putas de fina categoria. Há os artistas e intelectuais.


Feito um ponto de peregrinação, no final das contas, um café tem em sua essência o discreto charme da burguesia.


E por que não?

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

NEVERMIND

O olhar de Kurt Cobain

Eu estava então com 19 anos. Estava em Belo Horizonte há seis meses e ainda tinha poucos amigos. Na verdade, sempre tive muita facilidade para ter amigos, mas sempre esbarrava quando o assunto era sair. Simplesmente sair para uma balada. Confesso que até hoje ainda é um tabu. 

Estava uma noite em casa. Sozinho. Quando coloquei na MTV e lá estava ele: Kurt Cobain. A MTV estava exibindo o Unplugged do Nirvana e não consegui tirar os olhos. Eu que nunca gostei de Nirvana, sempre os encarei como uma banda de sujinhos e barulhentos - preconceitos que só um garoto mimado pode se gabar.

Meus olhos estavam completamente alheios ao que se passava em volta. Era só aquela banda com o vocalista loiro e a cara tampada pelos cabelos deixando surgir por frestas aqueles olhos azuis enormes. Eu vi aquilo como quem descobre um tesouro incômodo, que maltrata, massacra, mas dá prazer.

Senti que em meu peito, o coração batia acelerado e minha respiração estava ofegante. Cada música ia me tomando feito uma pedra que lhe atiram no corpo e vai definhando com a dor. Era dor. Era uma dor corroída, afiada. O apartamento de repente ficou pequeno, ainda menor, claustrofóbico. 

O tiro de desmisericórdia veio com "Where Did You Sleep Last Night". Era um canto doido, uma força que vinha do olhar freak de Kurt. Eu estava completamente tomado, apaixonado por aquele som e completamente arrasado. Eu era aquele garoto de 19 anos com uma vida inteira pela frente, mas que não conseguia vislumbrar o futuro. 

Quando Kurt deu seu último suspiro na música com a frase I shiver the whole, night through! Os olhos de Kurt parecem anunciar sua morte ou simplesmente dizer que a noite passa.

E o garoto de 19 anos que se abriu a Nirvana e Radiohead chorou aquela noite inteira com pena e medo de si mesmo e do mundo. E mesmo hoje, tantos anos depois, não preciso rever a imagem. Eu sei de cor. Lembro perfeitamente porque ainda sinto no peito o impacto daquela noite.

Para ver e ouvir assista ao lado.