terça-feira, 19 de outubro de 2010

ANOTAÇÕES DE SOLIDÃO

Foto: Ricardo

Encostou-se à parede em frente a porta do elevador. Os andares pareciam intermináveis obstáculos e o transporte não chegava nunca mais.

Assim encostado abaixou os olhos e viu que seu sapato tinha uma mancha vermelha de uma tinta qualquer que usara no último quadro que pintara. Ainda de olhos baixos pensou no sentido daquela noite e não o descobriu.


Ali, sozinho, depois de alguns mínimos momentos que não foram absolutamente de amor. Ouviu ainda quando a porta do apartamento que acabara de deixar fora trancada deixando-o preso na madrugada.


Era madrugada e sentiu vontade de ser chamado de volta e dormir sobre os braços carinhosos.


...


Não, ninguém abriria a porta, ninguém o chamaria de volta e seu retorno era inevitável.


A madrugada estava quente como em qualquer noite de verão, apenas uma brisa vinha do mar e encostava de leve em seu rosto. Foi caminhando pra casa ouvindo passos alheios de bêbados, prostitutas e casais. Em determinado ponto tudo ficou vazio e silencioso. Somente a voz de seus passos e o som de seus pensamentos. Um o acalmava, o outro o angustiava, mas não sabia ao certo qual era qual.


Subiu suas escadas depois de ruas, semáforos, carros, táxis, luz e escuridão, som e silêncio. Teve dificuldade em abrir sua porta. Se sentiu preso do lado de fora e tampouco se sentiria livre do lado de dentro. Seu coração disparou em cavalgadas amplamente respiradas. Se sentiu atado. Ficou assim, com a chave na mão próxima à fechadura sem abrir por alguns minutos.


Engoliu a seco. Entrou. Trancou-se.


Sozinho fora. Sozinho dentro.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

VENTO

O vento vive mudando a direção e descobri pasme que meu espírito tem esse mesmo caráter.

Infelizmente nasci num mundo sendetário, onde as maiores aventuras estão em comprar passagens pra Paris no cartão de crédito. E isso não faz de mim mais homem.

Sim, tenho a nítida certeza de que ser homem possui um traço que ficou na Idade Média. Não creio que fazer a boa faculdade que todos sonhamos e arrumar um bom emprego, ganhar seu próprio dinheiro, colocar no banco em aplicações de renda fixa ou lutar incessantemente a cada dia para ser aceito nesse escasso, cada vez mais escasso metier de bem sucedidos.

O glamour possui, a meu ver, um forte laço com a decadência.

E me descobri andarilho, um andarilho preguiçoso e medroso que não quer ir pra muito longe da mãe e do pai. Mas um andarilho. Um espírito meio rebelde, meio selvagem, meio tosco, que odeia as quatro paredes.

Me revolvo na cama a cada madrugada e não entendo bem por qual motivo. Me revolvo na revolta íntima e severa de que os dias estão passando e eu nada realizando.

Mas minhas ambições sequer estão na arte. Não nessa arte pragmática, pronta pra se transformar em um poderoso cofrinho.

Minhas ambições estão na arte que fica presente pelo mundo. Quero ver de perto o que o homem produz ou produziu pelo mundo. Tenho paixão dentro de mim que me angustia porque não encontra, simplesmente, espaço pra se satisfazer.

Não sou fiel, nem tampouco consigo me apaixonar por uma única pessoa. Sou passional, mas profano. Sou habitante de um mundo que como palácio gigantesco não consigo visitar todos os cômodos e acho desperdício.

Quero mochila. Quero sol, quero lua e estrelas acima de mim. Quero rio, quero mares, quero mais.

Quero vento e ir com ele pra outras paragens.

Não quero ser um só, nem saber exatamente quem sou. Principalmente porque não sou um só. Não sou tão objetivo assim. Sou homem e é a única coisa que sei no momento.


Graças a Deus.

Foto: "Correndo para um Jogo da Vida" de Jean Cândido Brasileiro