sexta-feira, 20 de maio de 2011

E NO TEMPO DA MÚSICA UM BREVE POEMA PIEGAS

foto: Tito Barbosa

E bem no tempo da música, aquela que nem é tão grande, aquela de quatro minutos e pouco, vem toda uma vida, todo o impulso de um coração no trampolim numa piscina de águas pouco transparentes.

Eu sei que é fundo e não sei ao certo escolher se pulo e mergulho até o chão ou permaneço na superfície. A superfície queima, mas eu a conheço. Eu a identifico. Posso sentir seu perfume e sua respiração. Falo de superfície mesmo?

Falo dessa música de pouco mais de quatro minutos e meio que faz meu peito se apertar como se fosse a própria mão de alguém que se afasta e te toca o rosto em despedida. É o olhar que permanece. É o olhar. O olhar se faz presente quando se pensa em... Amo? 

Nesse ímpeto de sentir e como velhos conhecidos workaholics da emoção, ainda é dia e sem sol o tempo nubla visões distorcidas de um beijo. Não permaneço, não preciso permanecer, há medo há tempos. E penso em um poema que diz

Toda praça se diz sozinha
até que alguém a encontre
e a madrugada sente seu vento
como um frio nunca antes visto
até que alguém se aqueça

Nunca disse o quanto me perdi
e nem como fiz para me salvar
eu poderia explicar que foi amor
mas não, não foi o amor

Eu poderia dizer eu te amo
que meu coração cuspiria suas flores
e se esvaziaria de cores
sem rimas, sem brilho, sem olhos

Mas de fato eu amo
E amo esses dias pequenos
Esses cafés que nunca chegam
E esse frio que não se aquieta

Então posso simplesmente correr
para longe de seus olhos
para longe de qualquer ponto cardeal
Eu poderia dizer qualquer coisa
que nada seria simples.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

SOBRE TEMPESTADES E PALAVRAS


Lembro-me que quando era pequeno e fazia catequese, me preparando para a Primeira Comunhão, assisti a palestra de um padre. Morava em Santa Maria, uma bela cidade do Rio Grande do Sul. O Pe. Osvaldo, um velhinho meio Padre Garotão, contou a seguinte parábola: Uma moça foi se confessar com o padre e afirmou que, por inveja, espalhou a falsa notícia de que uma outra moça havia perdido a virgindade com um namorado. Aquilo era um escândalo naquele lugar. Depois de se confessar, a moça perguntou qual era sua penitência. O padre, então, disse que ela precisava encontrar um travesseiro de penas de ganso e trazer até ele. 

Mesmo achando tudo aquilo muito estranho, a moça o fez. No dia seguinte, lá estava ela, confiante de que seria absolvida de seus pecados. O padre a conduziu até a torre da Igreja e ordenou a ela que abrisse o travesseiro e deixasse que as penas voassem. Ela o fez. Depois de todas as penas terem se desprendido e voarem sobre a cidade, o padre ordenou que ela saísse e recolhesse todas as penas de volta. A moça revoltada disse: "Mas padre! Isso é impossível!". E o padre muito tranquilamente respondeu: "Assim como é impossível você recolher todas essas penas, é também impossível que você consiga trazer de volta a honra dessa moça".

Sempre me lembro dessa história quando penso em falar mal de alguém, fazer fofoca mesmo. Somos todos humanos, afinal. Mas nos últimos dias tenho pensado nessa parábola por outro sentido. Aquela máxima de que levamos cem anos para construir um edifício e podemos destruí-lo em menos de dez segundos faz muito sentido. Às vezes, temos amigos, somos queridos, admirados, mas como diria Tim Maia, "os fãs de hoje são os linxadores de amanhã". 

Qualquer deslize pode manchar uma reputação que tenhamos suado para alcançar e a vida nos cobra isso de uma maneira pouco cordial. Às vezes, o máximo que nos acontece é perder os amigos, os fãs, mas pode ser pior. Podemos ser julgados, condenados, penalizados pelos erros cometidos num momento de mera distração. Ninguém está livre porque ninguém é santo. Ninguém. Somos todos passíveis de cometer erros e podemos ser os próximos. 

E o perdão? Onde fica nisso tudo? Concordo que o perdão é necessário, é imprescindível. Justamente por nossa condição humana de errar. Mas como disseram por aí, o perdão não exclui a responsabilização. Gosto de pensar, entretanto, com todos esses caminhos estranhos a que somos conduzidos na vida na famosa frase do Guevara: Hay que endurecer, pero sin perder la ternura.