domingo, 23 de outubro de 2011

AS NOZES E O AMOR

Para ler ouvindo A Montanha e A Chuva 
no podcast ao lado.


Quando eu tinha 03 anos, minha bisavó faleceu na noite chuvosa em que eu e minha mãe chegamos à cidade onde ela morava. Chovia muito, eu bem me lembro. E lembro-me também de minha bisa, a quem eu nunca havia visto. Lembro-me de um caixão na sala, pela manhã e que eu chorei. Obviamente eu não entendia o que estava acontecendo, talvez eu tenha apenas sentido o que acontecia ali, ou simplesmente porque eu já devia ser o tipo que chora por qualquer coisa.

A primeira morte que me marcou de verdade foi da minha cachorrinha Lassie. Era uma vira lata de cor bege clara. Fora atropelada enquanto eu estava na escola e sequer a enterraram. Não sei se senti mais raiva do motorista que a atropelou ou de quem jogou a defunta num terreno baldio qualquer.

Anos depois, quando morávamos no Rio Grande do Sul, eu brincava com nossa cachorrinha (outra) e comia nozes pecãs que catava no quintal da vizinha. Enquanto eu estava absorto nas nozes, ouvi quando minha mãe chorou na cozinha. Corri para a porta e dali eu vi meu pai coçando a cabeça, gesto que faz sempre quando não sabe exatamente como agir (acho que peguei isso dele) e minha mãe chorando. Meu avô havia morrido. Era Junho. Mas não lembro bem o dia, apenas sei que não daria tempo de ir ao enterro. 

Não gostava mais deste avô do que do outro, ainda vivo, mas esse tinha um sabor especial. Vivia no alto de uma colina cuidando da torre de transmissão da rádio local. Eu achava tudo muito incrível. Ele costumava brincar de coçar a barba no meu pescoço para me fazer cócegas, tinha muitos discos e tinha aquela sala enorme com instrumentos que mais lembravam um filme de ficção científica. Eram os aparelhos que mantinham a rádio no ar. Aquele barulho e aquele vento frio fazem parte da minha infância. 

Cerca de um mês depois, durante as férias, viajamos para Minas e fui até a casa do meu avô com minhas primas. Ele morreu dormindo. Deitou-se após o almoço, como de costume, encolheu-se, dormiu, não acordou. 

Quando entrei na casa, hesitei um pouco, mas fui até o quarto, olhei a cama e pensei: "Ele esteve aqui". E acho que pela primeira vez chorei a morte de alguém sabendo os motivos de estar chorando. Corri pra fora de casa e fui até a beira do caminho de onde se via lá embaixo toda a cidade e em especial o enorme cemitério municipal. "Ele está ali agora".

Sempre que me lembro dessa passagem, me ponho a pensar na brevidade da vida. E sempre pauto minhas escolhas por essa máxima. Minha vida é muito curta para que eu a perca por pena (ou por delicadeza, já diria alguém). Então prefiro arriscar. Sempre. Se amo, digo que amo, se não funciona, digo que não funciona, se quero mudar, mudo, troco a direção. Eu tento até o limite, pago pra ver. Me perco, me machuco, mas ao final resta aquela sensação incrível de: tentei. 

Todos nós vivemos descascando pequenas nozes pecãs. Para quem já o fez, sabe que é preciso muito cuidado para não quebrá-las, mas quando as nozes saem da casca e podemos saboreá-las, ali está um pedaço da vida sendo sentida pela saliva.

5 comentários:

  1. Gostei da cama do avô vazia e da presença da ausência. Gostei da vida salivada também. bj

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  2. O olho foi ficando embaçado e logo estava molhando o computador... não por achar triste a história ou por eu ser super chorona, mas por ver, o quanto somos feitos de pequenas partes.
    Vamos com o tempo, agregando, enraizando na alma as impressões de nossas vivencias e de outras pessoas com as quais compartilhamos o caminhar.
    Sabe, há alguns anos me dei conta de que, SÓ É REALMENTE LIVRE QUEM PODE DIZER A VERDADE. E assim é. Tb prefiro arriscar, olhar pra traz e pensar: " é isso ai! Vivi, assumo tudo que fiz, não tenho medo de começar e começar sempre que preciso for."
    A vida é pra ser saboreada, pra sentir o gosto mesmo! Triste é quem num tem história pra contar!
    ( desculpa, "comentei" demais...rs.)

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  3. Que lindo depoimento Karine. Não comentou demais, comentou o que precisava dizer. Valeu.

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  4. Ei Leo! Que bom receber sua visita. Volte mais! =)

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  5. "Minha vida é muita curta para que eu a perca por pena (ou por delicadeza (...)"
    Poesia pura.
    Que lindeza...
    Bj

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