quarta-feira, 30 de novembro de 2011

DANCING WITH MYSELF

Foto: Fernanda Prestes

Joana despertou com um nó no peito e não compreendeu de fato o que se dava. Sua vida tão bem organizada e compartimentada não lhe dava espaço para tais sensações. Levantou-se, arrumou sua cama e enquanto preparava o café foi varrendo a poeirinha acumulada do dia seguinte no chão da casa. Nem mesmo o rádio tocando suas músicas favoritas conseguiu desatar aquele bololô no centro do corpo.

Foi se olhar no espelho, checar se não estaria pálida ou doente ou morta. Não estava pálida e fisicamente sentia-se muito bem. Era a alma que lhe reclamava atenção. Resolveu sair por uns instantes para ver se o tempo estava diferente, mas o sol permanecia gentil como em todas as manhãs de outono. 

Joana se sentiu daquela maneira por um motivo inexplicavelmente trivial. Acordara daquele jeito e não havia nada que desabonasse seu dia anterior. Absolutamente nenhum incidente, nenhum desafeto - ela que nem afetos tinha - nada! Permaneceu assim, parada, olhando as árvores da rua entrecortadas pela luz do sol e as sombras das folhas que ventavam sobre os carros estacionados ali. 

Subiu novamente. Voltou ao seu cubículo e se deu o ocorrido. A água que ficara fervendo para seu café secou na chaleira e esta, por sua vez, foi sendo tomada de calor até queimar-se e encher o pequeno cômodo onde Joana vivia de fumaça. 

Joana apenas fechou o gás e sem reação além dessa ficou observando a fumaça se esvaindo da chaleira agonizante. O rádio soltou uma velha música dos anos 80: When there's no-one else in sight In the crowded lonely night. Fechou os olhos e, sem saber exatamente como, começou a dançar. Dancing with myself... Não conseguia parar. Dançava como se o chão a conduzisse e nada houvesse ao redor.

A porta do apartamento aberta, a música cada vez mais alta e Joana a dançar, a cantar e os vizinhos abrindo suas portas para assistir àquele espetáculo bizarro. A mulher que não sorri dançava feito criança. Sua respiração ofegante, seu suor pingando, a fumaça no apartamento, a música, o sorriso, os pés que se balançavam involutários. 

Eu estou viva! Eu estou viva!

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

DOIS PRA CADA LADO


Eram 4 da manhã. O quarto claro pelas luzes da cidade e a cortina balançando preguiçosamente sobre meus cabelos. Acordei assim, no meio da madrugada. Meus olhos abriram vidrados naquela dança que acontecia independente de todo o mundo.

Com os dedos tentei seguir o ritmo daquela dança e eu que não sou bom nessa coisa de ritmo fiquei fora de compasso. Dois pra lá, dois pra cá, rápido demais, lento demais. Sorri. - Daria pra você me conduzir? Tô meio perdido nessa dança. 

E ela riu. Disse que eu, às vezes, pareço criança. E se mesmo assim, criança, vou me tornando adulto teimoso? Desses que acreditam no amor e nas conversas matinais de domingo. Ela me pegou pela mão e disse que dançaria aquela noite comigo, mas que é preciso ser mais forte porque a vida nos tira pra dançar sem cuidado. 

Confesso que gostei daquela música. Era algo que falava sobre uma busca, sobre beleza e imperfeição, sobre insanidade e quando acabou, agradeci. Voltei a dormir. O dia começou novamente e eu ainda com a sensação de ter dançado a noite inteira.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

FALANDO SÉRIO

Foto: DDiArte

Eu deveria. E desse modo vou me acostumando às coisas que não têm sentido. Eu deveria. Desta maneira vou me atrelando a uma realidade que não quero porque simplesmente passo a dar importância a quem ou a algo que absolutamente não tem relevância. 

E não fazemos isso todos os dias? Quando opto por isso ou aquilo, sem me lembrar que Cecília já havia me dito que é perigoso esse negócio de escolher, pois, por mais que eu queira, não é possível ir aos ares e ficar no chão ao mesmo tempo?

E cada vez que minhas mãos querem experimentar o toque e eu por receio a recolho? Intuição ou medo? Em que momento aprendi a ter cuidado com a vida? E em que momento deixei de entender que os cuidados servem para um único propósito: me afastar da própria como quem foge de um cão bravo ou de um amor inexplicável? Explicar o quê, se a explicação tira a beleza das coisas?

Quando penso no que é pra ser experimentado, perco quase toda a possibilidade de ser transformado. E quero ser renovado diariamente e me permitir dizer o que sinto sem medo de mudar tudo ao meu redor. Não quero passar minha juventude com medo de sentir se é tudo o que me resta ao fim.


E se é assim tão inexorável esse tal fim, qual o sentido de não me permitir errar e escolher outros caminhos? Não sei, só sei que foi assim.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

UM BEIJO


Você pode se desesperar, pode sorrir, chorar, se amaldiçoar, mas não há nada que desperte todas as sensações de uma só vez, em único segundo, numa explosão total de incompreensão, medo e exaltação do que um beijo de amor.

Não há regra de como será: longo, intenso, leve, molhado, seco... Beijar quem se ama é feito aquele pedaço de bolo confeitado da avó que ficamos esperando saborear, rodeando pela mesa a tarde inteira. Um beijo de amor esconde em si todos os sentimentos do mundo e esperá-lo pode ser ao mesmo tempo uma tortura infinita e uma ansiosa espera. 

Um beijo de amor tem a capacidade de nos transportar do ínfimo do inferno para as mais belas e frondosas nuvens brancas num céu azul. Nos dá a possibilidade de voar tão alto como poucas vezes experimentamos. Não falo do beijo de alguém que conhecemos logo ali ou daqueles beijos que servem apenas pra cobrir uma carência, uma falta, uma solidão. Falo do beijo de amor. Aquele que esperamos à espreita, observando e desejando, aquele que faz de mim e de você um ser humano livre e forte.

Beijo de amor é o freio no precipício, é a bomba que acaba a guerra, é a flor que apazigua a mágoa. Beijar a quem se ama, desses amores de verdade, e quiçá únicos, é a melhor experiência a que alguém pode se submeter. 

Então, está esperando o quê? Permita-se a um beijo de amor.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

INVERNO


E voltamos ao ponto inicial onde velhos sentimentos que ficaram escondidos ou cansados de esperar retornam à tona. Ele era apenas um garoto que se levantava pela manhã com os olhos vidrados no céu que atravessa sua janela sobre a cama. Era aquele garoto que se perdia em pensamentos antes de se levantar.

O cachorro lhe lambia os pés pedindo pra bricar e seu sorriso se abria pela primeira vez para fazer carinho no animal que agradecia com as patas em seus joelhos. Olhando-se no espelho, acreditava que aquele dia poderia ser diferente e que à noite teria o amor em seus braços. A noite chegava, a madrugada alcançava suas pernas e adormecia pensando e sentindo.

Até que dia a dia a ponta de esperança e expectativa se dissiparam e novos interesses perpendiculavam seus caminhos. Alguns mais que outros, mas aquele velho sentimento ali, escondido, à espera.

E uma vez a cada tempo se apaixonava novamente e se perdia e se ostentava. Mas as paixões são permanentes passageiros que se despedem. E o vazio volta a se instalar feito hóspede teimoso que se acomoda no sofá da sala. 

Era Maio, Setembro ou Janeiro. Era Outono, Primavera e Verão. E era inverno. E era frio.