sábado, 5 de fevereiro de 2011

ANGÚSTIA

Foto de Hernani Faustino

Entrei no metrô com a discreta sensação de que deveria ter ficado em casa. Essa vontade que às vezes sentimos com uma intuição que nada mais é do que medo e falta de vontade de conviver, coexistir. Desci aquelas escadas com o ódio dos oprimidos, de quem não quer ou não consegue interagir e precisa, se sente obrigado para não ser esquecido, cumprir papel, não magoar.

O trem ainda demoraria a chegar e meu peito arfava como o peito de um cão cansado da corrida matinal com seu dono. Eu arfava como quem vai desmaiar ou dormir. Como quem está cansado de insistir. O tempo não passa, o telefone insiste e a fome não há. 

Penso num campo escuro com o céu estrelado e um silêncio que cala as vozes que trago no peito e na mente e me falam sem parar. Você vai? Vai mesmo? Não. Não vai. Vai. Vai. Não. Não quer. Não deveria. 

Chega o trem. 

Entro.

Mil pessoas. Centenas talvez. Uma língua diferente dentro do vagão. Estrangeiros. Estrangeiros aos montes e penso que aquela deve ser a sensação de quem chega a um pais estranho. Vozes infinitas de uma língua que não se conhece. Me sinto estrangeiro em casa. E me sinto sempre estrangeiro em casa. Estranho. Fora de lugar. Fora de onde deveria estar e onde deveria estar nunca soube. Nunca descobri.

Me vem no peito um nó. Choro. Discreto. Lágrimas vertem e me lembro de um choro convulsivo que tive algum tempo atrás. Tive medo de começar e não parar. Tive vontade de alguém que me perguntasse se estava passando mal. Eu diria "me tire daqui, me leve e me tire daqui." Para onde ir? Não saberia dizer.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

AQUELAS MÃES POSTIÇAS

Tenho uma família que não é perfeita, mas isso pouco importa. Nunca invejei a família de ninguém porque tenho um amor tão grande por aquela que me recebeu a ponto de nunca pensar em outra. Nunca mesmo. 

Mas a vida... A vida tem dessas coisas. Dia 2 de fevereiro. Dia de Yemanjá. Algumas pessoas dizem que trago a Rainha do Mar como uma das entidades que me regem. Verdade ou não, o fato é que o dia 2 de fevereiro tem um significado profundo na minha vida. Desses significados que deixam essa marca indelével.

Quando eu tinha uns 13 anos, morava numa cidade no estado de Goiás, estava numa fase típica de adolescente problemático e incapaz de lidar com a própria sexualidade. Uns se afogam em livros, outros nos games, alguns como eu vão para a Igreja. Eu vivia no meio de frades, em aulas de catequese, coroinhas e todos esses grupos que alguém já deve ter participado. 

Conheci numa dessas a Marlene. Marlene representava pra mim uma mistura de Rainha da Sucata com Viúva Porcina. Tinha uma vibração e uma alegria que contagiava, ao mesmo tempo uma franqueza que eu conheci em poucas pessoas e que me conquistaram de cara. Sempre preferi os francos aos educados. Tivemos uma relação de amizade tão forte que todos sentiam ciúmes. Marlene tinha naquela época 33 anos, eu 13. E fazia aniversário no dia 2 de fevereiro. Admirava sua garra, sua capacidade de vencer, de passar por cima dos problemas como quem enfrenta dragões. Marlene faleceu em 2006. Tinha um problema no coração e não resistiu a uma cirurgia. Logo ela que tinha um coração tão grande.

Anos se passaram. Quando soube da morte da madrinha Marlene já morava no Rio há três meses. Nos falamos pela última vez uns 3 anos antes. Percebi o quanto deixamos o tempo passar por nós sem nos abalar, sem perceber.

Neste mesmo ano, dois meses depois conheci D. Sônia, mãe de todos que a conheciam. Cozinheira de mão cheia lá do Mato Grosso do Sul. Essa também. Mulher forte, vibrante, com aquela mesma capacidade de te falar as maiores verdades e os mais impropérios na cara. Nos adotamos. E aqui no Rio, sozinho, longe da minha família, me tornei filho. Encontrei uma família que ninguém tinha. Enquanto meus pais estavam lá longe era com Sônia (ou Mammy) que eu encontrava alento e cuidado. Aos 26 anos jamais imaginei que seria tratado do mesmo jeito que minha mãe me tratava desde sempre. 

Sônia fazia aniversário em 3 de fevereiro, não era 2, mas era perto. Faleceu em 19 de novembro de 2008 após aproveitar muito a vida. Acho que poucas vezes chorei tanto como naquele dia.

E nessas horas eu penso como é bom ter minha mãe, meu pai. Como é bom não estar sozinho no mundo. E como o tempo passa rápido e insensível por nós. 

E se Yemanjá é mesmo minha mãe espiritual, deve haver algum sentido em ter colocado duas mulheres tão parecidas de dias tão próximos na minha vida. Obrigado.

Texto que escrevi após o sepultamento de Sônia aqui.

UMA TARDE NO CAFÉ


Chuva interminável e constante na cidade história fluminense. As opções para um jovem artista lationamericano sem muito dinheiro no banco poderiam ser muitas: olhar lojas de artesanato ou... olhar lojas de artesanato. Preferi fazer o que faria em qualquer tarde ociosa de qualquer lugar do mundo: entrar num café.

Não são poucas as experiências que se pode viver num café e me desculpem os boêmios de boteco, prefiro a boemia quente de um bom café e de conversas quase sussurradas como numa Igreja.


E num café pode-se discutir filosofia, arte, sexo, amor e se descobrir coisas obscuras e secretas. Pode-se ter acesso a certas intimidades que às vezes nem entre quatro paredes se pode ter.


Assim como bar, um café também atrai sua gama de loucos, mas são loucos quase mansos e que se enchem de conhaques ou vinhos.


A loucura em um café vem de forma lânguida e sensual. Num café dificilmente uma discussão terminará em socos, mas provavelmente com alguém indo embora fulo da vida.


Entre a clientela há os mal-humorados, os discretos, os cismados, os solitários e acabrunhados, os nerds e as putas de fina categoria. Há os artistas e intelectuais.


Feito um ponto de peregrinação, no final das contas, um café tem em sua essência o discreto charme da burguesia.


E por que não?