sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

NU


Descubro-me todos os dias como chuva em nuvens teimosas. Não caio. Não me rendo. Não caio lavando ruas, pés, gramados de criança. Sonho com dias agitados de inconsistentes amores e laços fragilizados. Sou isso. E não sei. Pertenço a este espírito estranho de um tempo que não me tem ou não tenho. Pertenço a esta alma ondulada, entrecortada, sem chão ou céu para se deitar. Olho para o lado que não há absolutamente nada, ninguém que eu queira que me toque, que me conduza. Olho para onde não existo, para onde me procuro.

E então? Respirar assim pra quê? Pra quem? Mergulhar nos sonhos de quem? Nos meus? Que sonhos? De que sonhos falamos? Nessas estranhas imagens da noite que acreditamos ser premonições, intuições, recalques? De que sonhos somos feitos se não daqueles que já não existem mais e há muito foram suplantados por essa torpe necessidade chamada sobreviver.

Não me tenho em intimidade, não sou eu que me vejo nu todos os dias debaixo da água corrente, não sou eu quem escreve, é um outro, esse outro que sei lá, que me trepa e me goza e que não me dá nada. Nem prazer.

14/02/2011

sábado, 14 de janeiro de 2012

A SORTE


Entre poeira de uma obra que não se resolve e os papéis que vão sendo jogados no lixo todos os dias enquanto esvazio gavetas e armários e caixas e peito, me vejo no centro de uma sala, como se um grande olho me observasse do alto, talvez acima do mesmo ventilador barulhento, para quem já tenho planos de lixo também. 

E lá do alto alguém deve rir dos meus dramas inúteis, das minhas tramas que terminam mal começadas e dessas lágrimas que teimam em não cair - só por dentro. É, talvez seja assim mesmo que eu esteja, feito esse buraco no meu chão que demoram a tampar, vai ver meu peito esteja como os canos que passam nas minhas paredes. Difícil localizar de onde vem o vazamento.

Eu compus essa casa e agora ela está metade em obras e eu ainda posso me lembrar de quando a pintei. É, acho que vai demorar um pouco mais pra organizar aqui dentro, um pouco mais tempo do que vou levar pra rearranjar as gavetas aqui fora...

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

FIM DE TEMPORADA

Foto: Roberta Dittz
Sinal dos tempos. Se antes sua vida dava um livro, depois um filme e por fim uma novela, parece que agora nossa vida daria mesmo uma boa série com muitas temporadas.

Quem nunca se comparou a um personagem de Friends e nomeou também os amigos? Quem não chorou com Dawson´s Creek ou Glee? Ah! Você nunca? Então esse post não é para você. Feche o blog, abra um livro, volte para os seus DVD´s de filmes cults. Estamos aqui pra falar de drama diário, de lágrimas por amores terminados, mal começados ou platônicos ou todos eles ao mesmo tempo, talvez por amizades desfaceladas ou decepções irremediáveis. A morte de alguém, quem sabe?

E não seria o fim de um ano uma espécie de final de temporada da série de nossa vida? Quando nos despedimos secretamente daquela paixão que tentamos por meses e que não deu certo, quando decidimos abandonar aquele trabalho que já não te preenche, quando decidimos transformar nossas vidas em algo que valha a pena?

Você pode me dizer que não é necessário esperar o dia 31 de dezembro, mas, e se calhar com a data? E se o Reveillon não for, na verdade, a celebração de todos esses términos, encerramentos e um modo de olhar pra frente como quem diz: agora vai?

Personagens da última temporada se despedem e saem de cena, cenários são desfeitos, cenas inteiras ficam apenas localizadas no flash back e então eis a mágica: novos amores, novos amigos, novas possibilidades, novos cenários, novos dramas e conflitos, novas lágrimas (porque elas dão o tom de uma temporada de sucesso).

Aqui, desse lado de cá da tela, digo que foi um ano bom. Fiz novos amigos, vivi situações incríveis, desfiz romances, desisti de amores, tomei coragem para abandonar o que não me acrescentava. E cá estou de braços e peito abertos para receber tudo novo (de novo) e fortaleço braços, pernas, cabeça e coração para enfrentar um novo ano com disposição para viver. E não é disso que estamos falando? De vida?

Quanto a vocês, obrigado pela audiência nesta temporada 2011. E façam de sua própria série, uma história de sucesso.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

DANCING WITH MYSELF

Foto: Fernanda Prestes

Joana despertou com um nó no peito e não compreendeu de fato o que se dava. Sua vida tão bem organizada e compartimentada não lhe dava espaço para tais sensações. Levantou-se, arrumou sua cama e enquanto preparava o café foi varrendo a poeirinha acumulada do dia seguinte no chão da casa. Nem mesmo o rádio tocando suas músicas favoritas conseguiu desatar aquele bololô no centro do corpo.

Foi se olhar no espelho, checar se não estaria pálida ou doente ou morta. Não estava pálida e fisicamente sentia-se muito bem. Era a alma que lhe reclamava atenção. Resolveu sair por uns instantes para ver se o tempo estava diferente, mas o sol permanecia gentil como em todas as manhãs de outono. 

Joana se sentiu daquela maneira por um motivo inexplicavelmente trivial. Acordara daquele jeito e não havia nada que desabonasse seu dia anterior. Absolutamente nenhum incidente, nenhum desafeto - ela que nem afetos tinha - nada! Permaneceu assim, parada, olhando as árvores da rua entrecortadas pela luz do sol e as sombras das folhas que ventavam sobre os carros estacionados ali. 

Subiu novamente. Voltou ao seu cubículo e se deu o ocorrido. A água que ficara fervendo para seu café secou na chaleira e esta, por sua vez, foi sendo tomada de calor até queimar-se e encher o pequeno cômodo onde Joana vivia de fumaça. 

Joana apenas fechou o gás e sem reação além dessa ficou observando a fumaça se esvaindo da chaleira agonizante. O rádio soltou uma velha música dos anos 80: When there's no-one else in sight In the crowded lonely night. Fechou os olhos e, sem saber exatamente como, começou a dançar. Dancing with myself... Não conseguia parar. Dançava como se o chão a conduzisse e nada houvesse ao redor.

A porta do apartamento aberta, a música cada vez mais alta e Joana a dançar, a cantar e os vizinhos abrindo suas portas para assistir àquele espetáculo bizarro. A mulher que não sorri dançava feito criança. Sua respiração ofegante, seu suor pingando, a fumaça no apartamento, a música, o sorriso, os pés que se balançavam involutários. 

Eu estou viva! Eu estou viva!

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

DOIS PRA CADA LADO


Eram 4 da manhã. O quarto claro pelas luzes da cidade e a cortina balançando preguiçosamente sobre meus cabelos. Acordei assim, no meio da madrugada. Meus olhos abriram vidrados naquela dança que acontecia independente de todo o mundo.

Com os dedos tentei seguir o ritmo daquela dança e eu que não sou bom nessa coisa de ritmo fiquei fora de compasso. Dois pra lá, dois pra cá, rápido demais, lento demais. Sorri. - Daria pra você me conduzir? Tô meio perdido nessa dança. 

E ela riu. Disse que eu, às vezes, pareço criança. E se mesmo assim, criança, vou me tornando adulto teimoso? Desses que acreditam no amor e nas conversas matinais de domingo. Ela me pegou pela mão e disse que dançaria aquela noite comigo, mas que é preciso ser mais forte porque a vida nos tira pra dançar sem cuidado. 

Confesso que gostei daquela música. Era algo que falava sobre uma busca, sobre beleza e imperfeição, sobre insanidade e quando acabou, agradeci. Voltei a dormir. O dia começou novamente e eu ainda com a sensação de ter dançado a noite inteira.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

FALANDO SÉRIO

Foto: DDiArte

Eu deveria. E desse modo vou me acostumando às coisas que não têm sentido. Eu deveria. Desta maneira vou me atrelando a uma realidade que não quero porque simplesmente passo a dar importância a quem ou a algo que absolutamente não tem relevância. 

E não fazemos isso todos os dias? Quando opto por isso ou aquilo, sem me lembrar que Cecília já havia me dito que é perigoso esse negócio de escolher, pois, por mais que eu queira, não é possível ir aos ares e ficar no chão ao mesmo tempo?

E cada vez que minhas mãos querem experimentar o toque e eu por receio a recolho? Intuição ou medo? Em que momento aprendi a ter cuidado com a vida? E em que momento deixei de entender que os cuidados servem para um único propósito: me afastar da própria como quem foge de um cão bravo ou de um amor inexplicável? Explicar o quê, se a explicação tira a beleza das coisas?

Quando penso no que é pra ser experimentado, perco quase toda a possibilidade de ser transformado. E quero ser renovado diariamente e me permitir dizer o que sinto sem medo de mudar tudo ao meu redor. Não quero passar minha juventude com medo de sentir se é tudo o que me resta ao fim.


E se é assim tão inexorável esse tal fim, qual o sentido de não me permitir errar e escolher outros caminhos? Não sei, só sei que foi assim.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

UM BEIJO


Você pode se desesperar, pode sorrir, chorar, se amaldiçoar, mas não há nada que desperte todas as sensações de uma só vez, em único segundo, numa explosão total de incompreensão, medo e exaltação do que um beijo de amor.

Não há regra de como será: longo, intenso, leve, molhado, seco... Beijar quem se ama é feito aquele pedaço de bolo confeitado da avó que ficamos esperando saborear, rodeando pela mesa a tarde inteira. Um beijo de amor esconde em si todos os sentimentos do mundo e esperá-lo pode ser ao mesmo tempo uma tortura infinita e uma ansiosa espera. 

Um beijo de amor tem a capacidade de nos transportar do ínfimo do inferno para as mais belas e frondosas nuvens brancas num céu azul. Nos dá a possibilidade de voar tão alto como poucas vezes experimentamos. Não falo do beijo de alguém que conhecemos logo ali ou daqueles beijos que servem apenas pra cobrir uma carência, uma falta, uma solidão. Falo do beijo de amor. Aquele que esperamos à espreita, observando e desejando, aquele que faz de mim e de você um ser humano livre e forte.

Beijo de amor é o freio no precipício, é a bomba que acaba a guerra, é a flor que apazigua a mágoa. Beijar a quem se ama, desses amores de verdade, e quiçá únicos, é a melhor experiência a que alguém pode se submeter. 

Então, está esperando o quê? Permita-se a um beijo de amor.